Em arqueoastronomia deve-se ter sempre em mente que a percepção do céu atual não é o mesmo daquele do passado distante, que sua visão é distinta para cada cultura e que também pode ser distinta em diferentes períodos de uma mesma cultura.
ALINHAMENTOS DE MONTE ALTO, BA
O primeiro a estudar um sítio arqueológico com alinhamentos de rochas foi o engenheiro Theodoro Fernandes Sampaio ( 1855-1937) em Monte Alto, sudoeste da Bahia, em 1879. No entanto, para não criar polêmicas, omitiu essa descoberta até 1922. Ao organizar o verbete sobre arqueologia na importante publicação do centenário promovido pelo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro ( IHGB), descreveu que na região do Riacho Das Pontas, existiria extenso alinhamento de rochas, com altura média de meio metro, fincadas equidistantemente por cerca de 1 km ( Sampaio), 1922).
Lembrando querido leitor, que foi esse mesmo Instituto Histórico Geográfico Brasileiro que contratou o Coronel Bernardo Ramos de Azevedo Silva, que produziu um tratado sobre as inscrições fenícias no Rio de Janeiro e demais estados do Brasil. Obra essa, usada pelo filólogo, estudioso austríaco Ludwig Shavenhaggen, conhecido no Piauí, como "seo" Ludovico Chovenágua.
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Apesar de sua reputação, Theodoro Sampaio, recebeu muitas críticas, tais como as do arqueólogo Angyone Costa que, em 1936, na primeira publicação especializada em arqueologia no Brasil, colocou Monte Alto na mesma categoria que outros locais fantasiosos, como Vila Velha, PR e as Sete Cidades, PI ( Costa, 1980).
Esse preconceito ideológico deve-se em parte, ao impacto ainda presente nessa época em nosso país, dos antigos mitos oitocentistas envolvendo civilizações perdidas ( Langer, 1997). Uma das raras exceções foi o arqueólogo Anthero Pereira Jr, 1944).
O próximo acadêmico a visitar Monte Alto foi novamente um engenheiro, Herman Kruse, em 1940. Realizou trabalhos topográficos e forneceu algumas referências geodésicas sobre o local, sempre insistindo que o alinhamento não havia sido edificado para finalidades de cercamento ou curral.
Infelizmente seu trabalho permaneceu inédito, sendo parcialmente descrito apenas em 1996 por seu colega de topografia, Waldemar Moura ( Moura,1996).
Em julho de 1996, com uma equipe formada por pesquisadores do Museu Nacional (UFRJ) e da Universidade Federal do Paraná (UFPR), os autores deste texto estiveram realizando pesquisas de arqueoastronomia em alguns sítios no interior da Bahia, com a professora Maria Beltrão, coordenadora do Projeto Central ( Beltrão e Lima, 1986).
Em Monte Alto (14°20' 56" S: 43° 03' 54" O; altitude 1.020 m), a uma distância de 500 km de Salvador, foram estudados certos alinhamentos de rochas, limitados por um riacho ( Afonso et al, 1999).
O primeiro fato que chamou a atenção foi que não havia necessidade dessas rochas se encontrarem tão próximas umas das outras para constituírem alinhamento, pois era possível visualizar diversas delas em uma mesma reta. Em segundo lugar, não poderiam servir mesmo como um curral, devido às suas alturas e afastamentos, tendo em vista que a altura das rochas é de 0,70 m e a separação entre elas é de 2,55m, sendo esses dois valores considerados em média.
Foi efetuado levantamento topográfico planialtimétrico dos alinhamentos e determinadas as coordenadas geodésicas do sítio. Esse levantamento foi dificultado pelas condições do terreno, encoberto pela vegetação que foi preservada. foram contados 260 blocos rochosos que formavam diversas linhas retas, com diferentes azimutes, totalizando 930 m de comprimento. Alguns desses blocos se encontravam caídos, enquanto outros foram removidos por caçadores de tesouro. Com base nos dados obtidos nos levantamentos efetivados, se os alinhamentos fossem preenchidos com os blocos rochosos, que possivelmente foram removidos, se obteria um total de 365 blocos, aproximadamente. Esse número sugeriu que os blocos poderiam corresponder ao número de dias em um ano.
Os alinhamentos de Monte Alto não se orientam para nenhum ponto astronomicamente relevante ( nascer ou pôr do Sol ou de estrelas brilhantes) e a estranha figura desenhada pelas rochas não se parece com nenhum animal ou vegetal conhecido. Assim, resolveu-se procurar alguma correlação entre o desenho na terra com as estrelas do céu, visíveis do local.
A região do céu que mais se assemelha ao desenho dos alinhamentos de Monte Alto se situa entre o Grande Quadrado de Pégaso e o aglomerado estelar das Plêiades.
Assim, ele poderia representar a projeção vertical do céu na superfície terrestre, no instante do aparecimento das Plêiades. Nele, a Via Láctea poderia estar representada pelo riacho.
Aproximadamente durante um mês, a cada ano, as Plêiades ficam muito próximas do Sol no céu, não podendo ser observadas. O nascer hélico das Plêiades ocorre quando elas se tornam visíveis, no lado leste, pouco antes do nascer do Sol.
O primeiro dia em que isso acontecia, perto de 5 de junho, vários grupos indígenas brasileiros que observavam as Plêiades podem ser observadas por apenas alguns minutos, cerca de uma hora antes do nascer do Sol, próximas à linha do horizonte. Logo depois, devido ao movimento de rotação da Terra de oeste para leste, o Sol surge no lado leste ofuscando a visão das Plêiades.
"... A maioria dos povos antigos marcava o início do ano no dia do nascer helíaco de uma determinada estrela ou constelação. Os antigos egípcios, por exemplo, desde cerca de 5 mil anos atrás, utilizavam o dia do nascer helíaco de Sirius, a estrela mais brilhante do céu noturno, que coincidia com o início da cheia do rio Nilo (inundação) para iniciar o seu ano. Possivelmente os astrônomos determinavam o dia e o local do nascimento dessa estrela utilizando a reta imaginária que passa pelas Plêiades, Aldebarã e Sirius."
"... Que no clássico livro de Claude d'Abbeville escrito em 1614 ( Abbeville, 1975), este afirmava que havia uma constelação que os Tupinambá do Maranhão chamavam Tinguaçu, que precedia o aparecimento das Plêiades em cerca de quinze dias e, em trabalho de campo, foi constatado que os Guaranis também possuíam uma constelação chamada Tinguaçu, em Tupi e em Guarani, significa pássaro de bico grande ( gênero Attila de pássaros tropicais americanos), encontrados em todo o Brasil. Então, o desenho de Monte Alto poderia ser uma representação desta ou de outra ave, sem necessariamente estar relacionado aos Tupi ou aos Guarani, pois diversos outros grupos poderiam fazer essa mesma associação."
"... A figura formada pelos alinhamentos de Monte Alto parecem refletir na Terra a figura dos alinhamentos celestes, que formam a constelação da Arapuca, a armadilha para pegar passarinhos. ( As estrelas são, Alfa de Andrômeda, Alfa de Pégaso, Beta de Pégaso, Gama de Pégaso e as Plêiades).
Os indígenas usariam essas marcações para visualizar o controle da estação agrícola."
"... Com base em cerâmicas encontradas nas proximidades dos alinhamentos de Monte Alto, pode-se estimar a sua idade como sendo de aproximadamente 2 mil anos".
Fico pensando, em quais tipos de "deuses" os primeiros habitantes do Brasil tiveram contato ( se é que tiveram...)