A HARPA FLUTUANTE.
Embarcado no
pequeno, porém valente barco Maria-Maria ІІ.Setembro de 1999, rumando para o
arquipélago de Abrolhos. Este barquinho é uma escuna de madeira que lembra
muito os barcos sardinheiros de Santa Catarina e de Portugal. A tripulação
composta pelo mestre Cosme e o marinheiro Marquinho não fugiu a tradição do mar
e dos pescadores, que é a de serem gentis e prestativos.
Além da
tripulação, contava entre os embarcados, Fábio, instrutor de mergulho, Enrico,
fotógrafo e cinegrafista subaquático, Gisela Mata, diretora do programa “mochilão-mtv”,
Babi, apresentadora, Raul de Góes operador-de-câmera e este “amarfanhador” de
frases que aqui escreve.
A ideia era
passar uma semana no arquipélago de Abrolhos, gravando o programa “Mochilão-mtv”,
voltado para o público jovem e interessado em dicas de lugares interessantes
para visitar.
Passado o momento
inicial, quando nossa nau fez-se ao mar e tendo os níveis de adrenalina
devidamente acomodados, restou sossegar e apreciar o dia, incrivelmente belo,
com céu azul e nuvens branquinhas como carneiros.
Navegando horas e horas e a todo o momento a rotina do navegar sendo
interrompida pelos gritos de: ”olha ali, é um golfinho!” Ou então: “Olha lá a
baleia!”. Confesso que prestei mais atenção em seres menores do que estes, mas,
que me causaram uma impressão tão boa quanto.Cardumes de peixes voadores,
tartarugas nadando na superfície e um incrível desfile de águas-vivas,
conhecidas como caravelas, em tal número que a quantidade perdeu logo o
significado.
Finalmente
chegamos à ilha principal de Abrolhos, e só lá e que ficamos sabendo que não é
permitido o pernoite na ilha, o comum é dormir e permanecer no barco. Notícia
que causou um muxoxo, principalmente entre os marujos de terra firme como eu.
Não consegui
dormir no interior do barco devido ao enjoo e tratei de arrumar um lugar no
convés onde preparei um bom “ninho-de-rato”, usando uma lona listrada enorme e
já endurecida pelo sal, que se moldou ao meu redor como uma casca-de-ovo, onde
nem o vento e nem a garoa fina puderam me incomodar, contei ainda com o auxílio
luxuoso de um travesseiro e dois lençóis.
Gosto
imensamente do mar e não achei nada ruim dormir ao relento, tendo as estrelas e
às vezes a chuva como teto. E se no interior do barco o chacoalhar causava
desconforto e enjôo, no convés, com a brisa e o visual da ilha recortada na
escuridão da noite e os inúmeros riscos das estrelas cadentes percorrendo o
firmamento, só serviram para me embalar no melhor dos berços.
No dia seguinte
usando um snorkell e pés-de-pato, mergulhei sob o casco do barco e fiquei cara
a cara com um badejo de quarenta quilos. O tamanho da mandíbula do bicho era
impressionante e assustador.Ainda bem que badejos não comem gente ou aquele não
estava com fome!Caberiam facilmente duas cabeças naquela bocarra antediluviana...
Que passeio! Existem verdadeiros jardins submersos onde em
meio aos corais pululam centenas de peixes com todos os formatos e cores.
Segurando o fôlego, cheguei perto de uma arraia que “voava” ao redor de um
coral conhecido como “cérebro”. Fiquei hipnotizado com seus movimentos
ondulantes e graciosos, e só lembrei de sair daquele mundo porque não possuindo
guelras meu ar faltou e me obrigou a nadar rápido rumo á superfície.
O mergulho
autônomo foi quase desastroso. O sol já se ocultava no horizonte, a luz bem
consumida e ainda por cima observei o instrutor de mergulho com um cigarrinho
de artista em uma das mãos, o que me deixou um pouco apreensivo.Minha roupa de
mergulho estava com o zíper quebrado e a água entrando me deixou literalmente
congelado!
Encantado com a
beleza e juventude da nossa diretora, Fábio o instrutor esqueceu completamente
da minha presença e aliado a isso a visibilidade estava muito ruim por conta
das partículas em suspensão e pouca luz e aconteceu o que eu não queria: perdi
o contato visual com os meus dois companheiros de mergulho! Foi uma sensação
péssima, pois sem experiência em mergulhar, não tinha a menor ideia de como
emergir em segurança ou como evitar os riscos de sofrer uma embolia.
“E essa agora caray!” __ Pense!Pense!__ Lembrei que o
indigitado moço, falou algo á respeito de emergir lentamente nadando abaixo das
menores bolhas de ar que saem do tubo respiradouro. Cruzei os dedos e foi o que
fiz, e quando respirei o bem-vindo ar da atmosfera, estava feliz apesar do
“coração-na-boca”, por não ter explodido os pulmões, tampouco os meandros
cerebrais!
“Desgraça pouca
é bobagem” é um ótimo axioma, pois dei uma corrida d’olhos e vi agora muito
assustado que o bendito barco estava á minha esquerda, muito, muito longe, um
pontinho no horizonte! Deslumbrado com a bicharada marinha não percebi o quanto
havia me distanciado não só dos meus companheiros de mergulho, mas também do
Maria-MariaІІ.
E havia a agravante de que na superfície eu tinha que lutar
contra o vento, além da forte correnteza que teimosamente me afastava do
barco... Lutar é bem o termo, levei duas horas para chegar ao barco e dei
graças por não ter descuidado dos exercícios físicos, pois foram milhares de
braçadas e pernadas que pouco me impulsionava frente ao vento e a maré e em
nenhum momento sofri com câimbras ou dores musculares. A única testemunha da
minha nervosa e assustada abordagem foi o discreto Raul De Góes, que apenas
comentou a minha palidez, deixando tudo por isso mesmo...
Báh! Não caio em
outra dessa tão cedo meu velho! De qualquer jeito fiquei tão aliviado de não
ter feito cagada na hora de emergir, tão contente por não ter encontrado com um
tubarão, afinal era noite e eu ali batendo pernas e braços com estardalhaço
suficiente para chamar a atenção, eu o otário ideal! Nem consegui ficar brabo,
pelo contrário, só fiz agradecer ao Profundo Poder Da Criação várias vezes!
Depois de todo
esse susto, que no final das contas passou despercebido, o jantar. Uma bela
caldeirada com lagostas, camarões e peixes que foi devidamente destruída (o
susto não foi grande o suficiente para me tirar o apetite!).
Fui para o meu ninho de lençóis e lona e lá fiquei admirando
o céu, pontilhado de estrelas cadentes, quando fui interrompido dessa meditação
pela sempre linda e holandesinha Gisela Mata, nossa diretora de programa e
causadora perpétua de suspiros, que sorridente e solícita veio ver se eu estava
bem instalado.
__O que eu mais gosto nessa história de dormir aqui no
convés, além das estrelas é que o vento faz os cabos dos mastros zunirem
zunidos diferentes—confessei pensativamente.
__ “como se fossem uma harpa” __Trinou suavemente a linda
holandesinha.
__ “Então dormimos em uma harpa flutuante, onde Deus toca
suas músicas...” __Arrisquei meio poético.
__ “Nossa formiga (esse sou eu) que bonito isso!” __ E sem
que eu esperasse me sapecou uma beijoca na bochecha!
Bendito barquinho
bonito!
Ps:
Esta crônica faz parte de um livro,Motel Córtex, e este que isto escreveu não teve chance de remete-lo para a Giselinha Mata que estava morando nos U.S.A..
Ontem me falaram que ela foi atropelada e morta andando de bicicleta lá no Rio de Janeiro ...
A Gisela foi companheira de viagens pelo Brasil e por muitos lugares exóticos. Rimos muito juntos, trabalhamos por infindáveis horas que ao lado dela pareciam fugidios minutos... Ela sempre brilhou pela garra, força e inteligência! Era espantoso tentar acompanhar aquela magrela carregando uma mochila com vinte e oito quilos, escalando o monte Roraima como se fosse um morrinho!!!
Uma grande profissional, uma ótima companheira de trabalho e de vida.
Foi uma honra partilhar dos seus momentos!
Só posso afirmar: O amor é para sempre!
Descanse em paz, linda holandesinha! Será que você já encarnou por aqui? Para onde tua frequência vibracional te enviou?
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