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segunda-feira, 21 de outubro de 2024

ARTIGO DO NEUROCIENTISTA SAMUEL BENJAMIN HARRIS.



     Samuel Benjamin Harris, Sam Harris , é doutorado em neurociências na Universidade da Califórnia em Los Angeles:
Trecho extraído do livro DESPERTAR, UM GUIA PARA A ESPIRITUALIDADE SEM RELIGIÃO .
     " Em geral é fácil  detectar problemas sociais e psicológicos em toda comunidade de aspirantes espirituais. Essa parece ser mais uma desvantagem inerente ao projeto de auto transcendência. Muita gente renúncia ao mundo porque não consegue encontrar nele um lugar satisfatório, e quase todo ensinamento espiritual pode ser usado para justificar uma falta de ambição patológica.
Para alguém  que ainda não foi bem- sucedido em nada e provavelmente  teme o fracasso, uma doutrina que critica a busca pelo sucesso pode ser muito atraente. E a devoção a um guru ___ uma combinação de amor, gratidão, reverência e submissão  ___ pode facilitar um retorno doentio à infância.  De fato, a própria estrutura do relacionamento pode condenar um estudante a um tipo de escravidão intelectual e emocional. 
O escritor Peter Marin sintetizou com perfeição  esse estado de espírito: " obediência  a um " mestre perfeito". Dá para ouvi-los, em seu íntimo, contendo o fôlego para darem por fim um suspiro  coletivo de alívio.  Ser finalmente libertado, depor o fardo, voltar a ser criança  ___ NÃO NA INOCÊNCIA REAVIVADA, mas na dependência restauradora, na dependência indisfarçável, admitida.
     Voltar a receber ordens sobre o que fazer e como fazer [ . . . ] O anseio do público  era tão palpável, sua carência  tão intensa e óbvia, que era impossível não notá-lo, impossível  não sentir alguma empatia por aquilo. Por que não, afinal de contas?
É claro que existem verdades e tipos de sabedoria aos quais a maioria das pessoas não chegará sozinha; é claro que existem autoridades em questões do espírito, viajantes experientes, guias. 
Em alguma parte tem de haver verdades diferentes  das decepcionantes que temos; em alguma parte tem de haver acesso a um mundo maior que este.
E se, para chegar lá, precisamos pôr de lado toda arrogância da vontade e do ego obstinado, por que não? Por que não admitir o que não sabemos e não podemos fazer e nos submeter- mos a alguém  que sabe e faz, que nos ensinará se apenas deixarmos de lado por ora todo julgamento e obedecermos com confiança e boa vontade?
     Um relacionamento com um guru, ou, na verdade, com qualquer especialista,tende a seguir linhas autoritárias. Você  não sabe o que precisa saber, e se presume que o especialista saiba; é por isso, afinal, que você está sentado diante dele. A hierarquia implícita é inevitável.  A qualidade contemplativa existe, e um especialista contemplativo é alguém  que pode ajudá-lo a perceber  certas verdades sobre a natureza da sua própria mente.
     Infelizmente, a ligação entre autotranscendência e comportamento moral não estão tão direta quanto gostaríamos. Parece possível que pessoas tenham genuínos insigths espirituais  e a capacidade  de provocá-los  em outros, mas que ao mesmo tempo tenham defeitos morais graves. Nem sempre é preciso chamar esses indivíduos de " embusteiros": Eles não estão  necessariamente  fingindo que têm insigths  espirituais  ou que são capazes de produzir essa experiência  em outros. Mas, dependendo do nível de sua práticas, seus insigths podem ser 
um antídoto insuficiente  para o resto de sua personalidade. Os problemas resultantes podem ser acentuados por diferenças  culturais. 
Por exemplo, qual é a idade do consentimento para as relações sexuais? As respostas não serão  necessariamente  as mesmas em Bombaim e Boston. Certas escolas do budismo pregam em um grau extraordinário que devemos ter compaixão e  bondade  e não prejudicar os outros, e isso oferece alguma proteção  contra abusos de poder.
Mas mesmo nelas se pode encontrar um mestre venerado com os instintos éticos de um pirata.

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